quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

A crueldade do "orgulho hétero" e do "100% branco"

Quando um branco diz que tem orgulho de ser branco, um hétero de ser hétero e um homem de ser homem, cometem um ato de insensibilidade e injustiça.


Por: Vinicius Werneck

O negro sente orgulho de ser negro, pois em agosto de 1955 um jovem negro de 14 anos foi assassinado por ter ousado assobiar para uma mulher branca. Seu nome, Emmett Till. Torturado, assassinado e mutilado. Nessa ordem. A mãe pediu que o caixão fosse deixado aberto, para que “o mundo visse o que fez com meu bebê”.

O negro sente orgulho de ser negro, pois chorou e sangrou e suou para que esse tipo de violência fosse cada vez mais raro. Ele sente orgulho, pois inspirada pela história de Till, uma jovem professora, cansada de toda essa iniquidade, recusou-se a seguir a lei e a se levantar para um homem branco sentar no ônibus. Foi presa.

O negro sente orgulho, pois já causa revolta na maioria de nós imaginar que cor de pele indicava inferioridade. Ele sente orgulho da própria história, pois teve que lutar centenas de anos por direitos que os não-negros nasceram possuidores. O orgulho do negro não acontece em detrimento de quem não é negro.

É um orgulho que todos deveríamos compartilhar enquanto sociedade.


O LGBT sente orgulho de ser lésbica, gay, bi ou trans, pois aprendeu depois de muitos anos chorando no travesseiro, que não é um erro, não nasceu com defeito e que não precisa ter vergonha de si. O orgulho vem do aprendizado árduo de que é possível ser feliz.

O LGBT sente orgulho de ser o que é, pois tem que lutar cotidianamente o medo de ser agredido por amar quem ama. Sente orgulho, pois mesmo vendo casais heterossexuais vivendo a liberdade que queriam experimentar, não transformam a sensação em rancor, mas em combustível para a perseguição do sonho de igualdade.

O LGBT sente orgulho do que é, pois passa por um momento de auto-aceitação e descobrimento que outros não passam, e vêem a importância de sua luta histórica por igualdade.

É um orgulho que deveríamos compartilhar enquanto sociedade.


A mulher sente orgulho de ser mulher, pois só ela sabe a real importância de sua luta. Só ela sente o quanto dói o assédio sexual constante e socialmente aceito de chefes, colegas, amigos e desconhecidos. Ela se orgulha, pois ninguém mais entende o que é o medo de passar por uma rua vazia, de esperar à noite em um ponto de ônibus, de andar sozinha em frente a um grande canteiro de obras.

A mulher se orgulha de sua luta e de conquistas que empoderam as mulheres. Se orgulha de cada mulher que não aceita mais o abuso físico de um companheiro que escolheu para amar mas que em vez disso a machuca. E percebe que é preciso continuar na luta, toda vez que ainda culpam a vítima pelo ato doentio do agressor (“estava com a roupa errada” “no lugar errado", “na hora errada", “com o olhar errado", “com uma atitude errada”, etc). Elas se orgulham da própria história de conquistas e lutas.

E é um orgulho que todos nós deveríamos compartilhar.

Eu tenho orgulho dos meus amigos negros e de suas lutas e vitórias; me orgulho de meus amigos LGBT que aprenderam a amar a si mesmos como são; me orgulho das minhas amigas mulheres que lutam pelo que acreditam, mesmo que diversas vezes sofrendo por consequência a implicância de homens (e até mesmo de outras mulheres). É um orgulho nascido da luta, da dor; da conquista de território numa guerra de trincheiras com o conservadorismo. Pessoas que, fatigadas de apenas sonhar, lutam incansavelmente; gritam, quando mais fácil é calar; ousam, mesmo que lhes custe a vida.

Essa reafirmação da branquitude, da heterossexualidade e da masculinidade, identidades dominantes, são uma patente dificuldade de lidar com a diversidade. É um orgulho nascido não da luta pela igualdade, mas da vontade de demarcar com uma caneta ainda mais forte privilégios seculares.

Soa um pouco patológico ter orgulho do que não se precisou conquistar…

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