Seus olhos brilham, os quadris requebram sensualidade, os dentes infinitamente brancos contrastam com a pele negra, os pés descalços batem forte e cadenciado no solo livre de Vila Bela da Santíssima Trindade ou Campo Verde Serenado que é o tratamento carinhoso dado à cidade. De suas gargantas ecoa a melodia que brota do fundo da alma. Seus vestidões coloridos cobrem do calcanhar ao pescoço enfeitado por colares de contas, mas providencialmente têm aberturas laterais reveladoras. Em suas cabeças sobre o cabelo carapinha bem-cuidado e cheiroso se equilibra garrafa do afrodisíaco Kanjinjin.
Claro que falo das mulheres negras de Vila Bela. Fui vê-las se apresentar na Festança que acontece anualmente naquela cidade no mês de julho. Em meio ao público que se comprimia sob o toldo de uma tenda improvisada não desgrudei o olho da evolução que faziam e ouvi atento as melodias que cantaram sob reverente silêncio da plateia.
A Dança do Chorado nasceu na escravatura. Mulheres negras descobriram infalível meio de amenizar os suplícios de seus maridos, pais, irmãos, parentes ou namorados: dançavam sedutoras para os gajos e seus lacaios. Com seus requebros enfeitiçavam os senhores da casa grande e, mais ainda, amoleciam seus corações embriagando-os com lapadas de Kanjinjin. A libido e a alcova resgatavam o preço da vida do negro escravo ou amenizavam seu castigo. Suas companheiras pagavam resignadas por isso. Prova de amor maior não há.
O tempo passou, escravidão é página virada da memória suja do Brasil, mas as negras do Campo Verde Serenado não deixaram de lado o Chorado, só que agora sua apresentação é de cunho cultural.
Campo Verde Serenado reverencia suas cantoras e dançarinas negras do Chorado, mas as secretarias de Cultura e de Desenvolvimento do Turismo não as reconhecem nem as valorizam. Essa indiferença, embora não seja associada ao escravagismo, não deixa de ser mais um castigo ao povo que assegurou a fronteira oeste do Brasil na terra de Teresa de Benguela onde Mato Grosso construiu sua primeira capital.
Inconcebível sob todos os aspectos que os deputados licenciados João Malheiros e Teté Bezerra, respectivamente secretários de Cultura e Turismo de Mato Grosso não enxerguem a grandeza cultural das negras do Chorado e o potencial turístico que se esconde sob essa manifestação que atravessa gerações.
Chorado e Dança do Congo no Campo Verde Serenado e tantas outras manifestações são menosprezadas por Malheiros e Teté Bezerra. Mato Grosso não pode mais aceitar esse tipo de conduta que significa violentar a memória mato-grossense, tolher a arte, esconder roteiros turísticos, fechar portas para a geração de emprego e distribuição de renda. Espero que o governador Silval Barbosa exija mudança de enfoque nas duas secretarias ou em caso contrário que troque seus secretários.
por Eduardo Gomes
Fonte: http://www.diariodecuiaba.com.br
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